Atualmente,
diversas discussões sobre o direito ao Lazer têm permeado a sociedade,
principalmente após o longo período em que uma parte da população foi obrigada
a ficar em casa, por conta da pandemia. O fato de estar, diuturnamente, em seu
domicílio, despertou vários ímpetos de criatividade familiar. Muitos aprenderam
a fazer pão, ouvir artistas um tanto desconhecidos, a brincar com os filhos e,
principalmente, a perceber o valor e o trabalho que dá a rotina doméstica,
sempre relegado à mulher, como principal organizadora do dia a dia da família,
inclusive dos momentos de lazer.
Um
estudo mostra (Bonalume e Isayama, 2020) que a prática do lazer
físico-esportivo aos sábados (jogar bola, correr, etc.) é citado por 64% dos
homens entrevistados, enquanto que somente 21% das mulheres tem essa prática.
Culturalmente, aos finais de semana, a mulher tem a obrigação, como se fosse
somente dela, de cuidar da casa e dar uma atenção maior aos filhos.
O
direito ao Lazer veio a ser discutido, com mais ênfase também, a partir da
Constituição de 1988, sendo citado no Artigo 6º, juntamente com a cultura.
Então, acreditamos que criar um movimento de acessibilidade à prática das
atividades esportivas, como parte da rotina da vida da mulher, é
imprescindível, da mesma forma que falamos das lutas por salários iguais aos dos
homens. É inadmissível ainda ouvir nos campos de futebol da periferia, as
ofensas que meninas, jovens e mulheres enfrentam para utilizar o espaço público
de lazer. É inaceitável que eventos de corrida de rua ofereçam premiações em
dinheiro menores às atletas mulheres, que correm a mesma distância dos homens!
As
políticas públicas de incentivo à prática da corrida de rua e de outras formas
de lazer, por meninas e mulheres, ainda são incipientes. Romper a barreira
ideológica de que a mulher busca o exercício somente pela questão de estética,
também perpassa por um trabalho educacional, dentro da escola e das famílias.
Na mais recente edição das Olímpiadas, a quantidade de atletas do sexo feminino
superou todas as expectativas (49% da delegação) e, das 21 medalhas que o Brasil trouxe para casa, 9 foram conquistadas por
mulheres ou equipes de mulheres. Esse número representa 41% do total. Rebeca
Andrade (ginasta), Rayssa Leal (skatista) e Ana Marcela (nadadora) são exemplos
que incentivam outras meninas a olhar para o esporte como um desafio possível e
um caminho real para ascensão social.
Mas para que toda essa estrutura de alto rendimento seja
uma realidade, organizadores, públicos e privados, atuam na promoção de eventos
de qualidade, incentivando mulheres de todas as idades a superarem seus
limites. Desde aquela primeira prova de 5km até maratonas (ou mais), a coordenação
e gestão da prova, quando tem um olhar feminino, alcança novos patamares, pelo
simples fato de que a mulher tem mais capacidade de ouvir e articular diversos
quereres. Um dos principais traços de sua personalidade é o sentido de
preocupação com o outro. Schmiliver
et al (2019) comprovaram em seus estudos, que a presença de mulheres no
conselho de administração e diretoria aumenta o valor das empresas, assim como
melhora sua performance financeira. Hoje, a presença feminina já é maioria nas
universidades e o conhecimento deve alicerçar as tomadas de decisão em todos os
momentos, desde a elaboração de projetos de captação até a entrega da última
medalha de participação, no dia da prova.
Na
procura pelo patrocínio, também devemos criar estratégias que contemplem as
necessidades do público feminino, usando nossa criatividade na organização da
corrida. Oferecer espaços de brinquedoteca, para incentivá-las a participar dos
eventos com a família, já são uma possibilidade simples, que colabora para
enfrentarmos o desafio de facilitar a rotina da mulher-mãe corredora. Outra
ação muito exitosa são as corridas exclusivamente femininas, que trazem
segurança e equilíbrio às disputas pelo pódio.
Militando
há 20 anos nesse ambiente desafiador da organização de corrida de rua e
triathlon, tenho me deparado com a evolução, não só da quantidade, mas da
qualidade técnica das mulheres atletas, de todas as idades. Soma-se a este
movimento, a busca pela assessoria competente, pelo evento bem organizado, que
traga também o resultado no pódio. Uma gama de fatores que a mulher procura
também para alavancar sua própria qualidade de vida, sempre ligada ao conceito
de esporte, saúde e lazer.
Superando
assédios e indivíduos que tentam menosprezar sua capacidade de julgamento, a
mulher que lidera, durante várias etapas, a organização do evento esportivo tem
o poder de negociar, mediar e principalmente, atender aos anseios dos/das
atletas, que buscam, naquele dia, exercer o seu direito constitucional ao
lazer. Para além dos estereótipos de “sensível e metódica”, seguem firmes
mostrando que a competência pode e deve superar toda forma de preconceito.
A professora Danielle Vale formou-se em Educação Física pela
UEPA (1998), trabalhando desde 2002 com eventos de triathlon, corrida e na
escola pública. É Mestra em Motricidade Humana pela Universid Pedro de Valdívia
(Chile) e consultora técnica da Audaz Assessoria Esportiva.